segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Superlativo

   "A Fábrica de Nada", de Pedro Pinho (2017), que conta com argumento a várias mãos, de Tiago Hespanha, Luísa Homem, Leonor Noivo e do próprio Pedro Pinho a partir de ideia de Jorge Silva Melo baseada em peça teatral da holandesa Judith Herzbel, é produzido por João Matos e Susana Nobre para a Terratreme como criação colectiva. É um filme longo e muito bom, que envolveu uma investigação aturada e uma preparação longa e minuciosa.
   Este é daqueles filmes que não se conta, vê-se, sente-se e compreende-se em todo o seu impacto humano e político na actualidade, e cada um que retire as suas conclusões ou ilações próprias. Em resumo direi que trata de um caso de greve e ocupação seguido de auto-gestão, situado em Portugal nos nossos dias - na Póvoa de Santa Iria, concelho de Vila Franca de Xira -, baseado em factos reais ocorridos entre o final do século XX e o início do XXI com uma empresa e operários reais.
  Sem pretensiosismo ou preciosismo formal, Pedro Pinho trabalha com os seus actores, profissionais (José  Vargas Smith e Carla Galvão nomeadamente e nos principais papéis) e não-profissionais a um nível imediato de criação e improvisação que torna tudo credível num primeiro grau, reservando para a discussão política ao vivo do início da sua segunda parte o comentário a várias vozes qualificadas, bem visto e discutido, daquele caso, que pretende enquadrá-lo e faz parte do filme. 
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  Elucidativo sobre a actualidade, este um filme que nos deixa perplexos mas satisfeitos porque a vida, o mundo da vida é assim mesmo quando tem um argentino por trás que pretende documentar o sucedido (Danièle Incalcaterra) e não como discursos políticos, filósóficos e outros nos pretendem fazer crer. Há a vida na fábrica, a vida familiar - que envolve a casa, o shopping, o rio - e o tempo para espairecer, fazer outra coisa, no caso música - punk - que acaba por introduzir a dimensão musical no filme. Com os grandes prédios modernos ao longe.
  A vida escorre por entre máquinas e homens, e no seu transcorrer o filme assume-se como ensaio reflexivo e também como musical por momentos, entre o documentário de reconstituição e a ficção, o que lhe fica bem. Depois da encomenda inesperada, as perguntas finais são para colocar depois de um grito, no diálogo de troca de palavras entre o Zé Vargas e o malvado do argentino.
  Para quem não tenha ilusões e queira compreender um pouco melhor Portugal e o mundo de hoje este é um filme altamente recomendável, que termina ao som da música e da voz do Zeca Afonso, evocativa e saudosa mas alegre e combativa. Nada nos deve ser retirado nem dado sem a nossa intervenção pessoal.
  "A Fábrica de Nada" de Pedro Pinho e da Terratreme coloca de novo o cinema português em evidência pelos melhores motivos. Em especial ao Jorge Silva Melo, grande criador teatral e cinematográfico e eminência parda da sua geração que a tantos formou, deixo aqui as minhas felicitações. Mas não esqueço este novo colectivo, a Terratreme, ao qual desejo as maiores felicidades e os melhores sucessos bem merecidos - as escolhas da FIPRESCI não costumam ser acidentais, como com este filme aconteceu este ano em Cannes.

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